Donald Trump desaprova o que ele chama de “perseguição” ao ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e, por isso, decide impor um tarifaço de 50% aos produtos do Brasil vendidos nos Estados Unidos. É a notícia da semana, mas se isso vai realmente entrar em vigor, os muitos anos a que nos expusemos ao trumpismo e ao bolsonarismo podem levar a crer que não dará em nada e é mais uma declaração bombástica/esquizofrênica para semear o caos que lhes convém.
Publiquei o texto abaixo em meu antigo blog na Super, às vésperas da primeira eleição de Trump. Muito tempo passou, as declarações que pareciam absurdas em 2016 hoje soam cotidianas. O Tio do Zap ganhou o mundo, e o Tio do Zap às vezes é uma mulher de 30 anos (mas na maioria das vezes é homem).
Aprendemos um bocado de lá para cá. Inclusive que Andrew Jackson, nosso personagem de hoje, é ídolo de Trump. “Como homem e líder, ele aprecia a atitude impetuosa, confrontacional e hipermasculina que caracterizou o sétimo presidente. Jackson levou o poder executivo ao limite, assim como Trump tenta fazer”, definiu o historiador Maurizio Valsania, especializado em história dos presidentes americanos, no Conversation.
“Há uma semelhança de visões filosóficas e políticas. Os dois se apoiam na mesma definição de liberdade. Ambos acreditam que o presidente está livre de qualquer restrição e de qualquer forma de controle legislativo ou judicial”, escreveu, em 2025.
Hoje, um retrato de Jackson repousa na parede mais fotografada do Salão Oval da Casa Branca, próxima da mesa do presidente. Em 2016, Jackson estava programado para cair da nota de 20 dólares, mas hoje mal se fala nisso. As coisas não andaram como o esperado.
A História segue seu rumo. Andrew Jackson já foi considerado um dos grandes presidentes americanos, mas sua reputação vem caindo com o tempo entre especialistas, graças à visão dele sobre populações marginalizadas. Em um ranking elaborado entre cientistas políticos, ele foi eleito o 9º melhor presidente da história dos EUA em 2015.
Em 2024, em uma nova edição da lista, despencou para o 21º, no meio da tabela. O pior da história? Ele mesmo, o laranjão de Mar-a-Lago.
Mantive o texto original de 2016, com observações e comentários quando julguei necessário.
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Andrew Jackson, o presidente dos EUA que faz Trump parecer (quase) bonzinho
Boa parte do mundo assiste com aflição à eleição dos Estados Unidos. Além da tradicional complicação que de quatro em quatro anos traz à tona a necessária tentativa de explicar como diabos esse sistema funciona, a disputa desse ano ficou marcada como a mais agressiva da história recente do país.
Muito se especula se Donald Trump — sujeito vil, xenófobo, racista e misógino que acredita que o muro que pretende construir na fronteira com o México durará mais tempo incólume do que seu topete — ao ser eleito, vai soprar a trombeta apocalíptica e iniciar a guerra do fim do mundo. (Ele não concluiu a obra no primeiro mandato, mas prometeu terminar ao longo do segundo).
Mas acontece que não seria a primeira vez que alguém assim se tornou presidente dos EUA. E a corrida eleitoral já foi muito, mas muito pior. Especialmente nas disputas regionais em uma época em que o país não era a superpotência com a qual nos acostumamos. A New England Weekly Review, uma publicação do século 19, registrou em 1830:
“A eleição no Kentucky dura três dias e nesse período o uísque flui por nossas cidades e vilas como o Eufrates na antiga Babilônia (...) Um número de candidatos, cada um com uma garrafa de uísque com o bico saindo do bolso, estava ocupado subornando eleitores (...) Um deles veio a mim, deu um tapa no ombro com a mão direita, uma garrafa de uísque na esquerda, perguntou se eu era eleitor. ‘Não sou’, eu disse. ‘Ah, tudo bem’, ele disse, tirando a rolha da garrafa. ‘Só dá um golão aqui e dá um votinho pros garotos do Old Hickory’.”
Old Hickory era Andrew Jackson, o sétimo presidente americano e um dos fundadores do Partido Democrata. Liderou o país de 1829 a 1837 e é o rosto magro da nota de vinte dólares.
Na campanha, quando foi eleito, 30 mil pessoas o acompanharam até o Capitólio e tentaram chegar à Casa Branca. Aqueles que conseguiram ficaram no jardim com barris de uísque e bacias de ponche de laranja.
Durante meses, Washington ficou apinhada de forasteiros, que rapidamente acabaram com o álcool da cidade, enquanto esperavam cargos no governo como prêmio por terem votado em Jackson. A corrupção atingira novos e bêbados níveis em uma máquina de votações sujas e campanhas difamatórias que duraria um século.
Durante o mandato, Jackson deixou claro que via os indígenas como selvagens que atravancavam o progresso. Arranjou acordos com povos originários ao mesmo tempo em que armava com amigos para tomar as terras deles.
Na Flórida — que ele, como general, conquistara dos espanhóis —, Jackson incentivou perseguições a vilas do povo seminole, queimou casas e expulsou habitantes. Tudo em nome de velhas cartas na manga, lançadas quando se busca legitimar alguma atrocidade: a “segurança nacional” e a “defesa pessoal”.
Andrew Jackson foi o presidente da remoção dos indígenas, do Caminho das Lágrimas, a peregrinação forçada de vários povos a regiões remotas e desconhecidas. Essa política mudou a relação entre os novos e os antigos habitantes do país para sempre.
Jackson, como muitos ricaços de seu tempo, era um proprietário de escravos que vendia e comprava pessoas a granel. Se um deles tentasse escapar, Jackson oferecia uma recompensa de US$ 50 e US$ 10 extras a cada cem chicotadas despejadas no fujão. Além disso, parte de sua fortuna veio de terras que haviam sido prometidas aos indígenas.
Detratores de Jackson também não viam honra na forma como ele praticava duelos — sim, duelo pra valer, uma prática relativamente comum até o século 19. Ele venceu ao menos dois duelos (dependendo da fonte, esteve em mais de cinco embates).
Em 1806, Charles Dickinson, um fazendeiro rival de Jackson, o acusou de roubar em uma corrida de cavalos, xingou-o de canalha inescrupuloso e, no embalo, disse que sua mulher, Rachel, era bígama. O futuro presidente Jackson o desafiou para um duelo.
Dickinson tinha fama de ser um grande atirador, o que foi provado ao acertar o peito do rival. Jackson resistiu, apertou a ferida e revidou, errando o alvo. Isso significaria que ele perdera o duelo. Mas fez que não ligou. Mesmo ferido, recarregou a arma e atirou de novo, dessa vez acertando e matando o oponente.
Em todo caso, Jackson passou a ser visto como um herói americano. Afinal, ele conquistou a Flórida e está nas notas verdes — o que mudou no ano passado (2015). O rosto de Jackson será substituído por Harriet Tubman, uma ex-escravizada heroína da Guerra de Secessão. Tubman foi escolhida em uma votação online, mas essa mudança só deve entrar em prática em 2030. (Pouco andou de lá para cá, inclusive durante o governo Biden. A nova nota ainda está longe de sair).
O simbolismo da troca é forte. Sai um homem, branco, rico, escravagista, entra uma mulher, negra, escravizada. O resultado saiu em abril, no começo de uma corrida eleitoral tensa e recheada de ofensas. Donald Trump, é claro, não pôde deixar de manifestar sua opinião. A decisão a favor de Tubman? “Puro ‘politicamente correto’. Andrew Jackson teve uma história de tremendo sucesso para o país”.
Publicado originalmente no blog Conta Outra, na Superinteressante, em novembro de 2016
VOCÊ NÃO PODE DORMIR SEM SABER O QUE APRENDI ESTA SEMANA
Em 2007, o toque de celular era um atributo importante para alguém moldar sua personalidade. Ainda assim, muita gente não ligava de ter um ringtone manjado, correndo o risco de escutar outro telefone tocando no mesmo ambiente e achar que é o seu.
Quem se deu bem com isso foi Akon. O cantor vendeu mais 11 milhões de ringtones naquele ano, só nos Estados Unidos, o que lhe rendeu um verbete no Guinness. Você podia até ser um “Mister Lonely”, mas seu celular, jamais.
Vim pelo artigo sobre a Akon City e já estou lendo seus outros textos. Que escrita envolvente a sua!